O Programa Bolsa Família, implantado pelo governo federal, desempenha um papel fundamental no combate à pobreza e na promoção da inclusão social. No entanto, à medida que os benefícios sociais se expandem, surgem questionamentos sobre seu impacto na busca por emprego entre a população mais vulnerável. Assim surgem os desafios do Bolsa Família e seu impacto social.
Aumento do Bolsa Família e Composição da Renda Domiciliar
De acordo com um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-IBRE), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a participação de programas sociais na renda domiciliar da população brasileira aumentou consideravelmente nos últimos anos. Entre 2021 e 2023, esse percentual passou de 2,6% para 3,7% em âmbito nacional.
No Nordeste, região mais carente do país, o impacto foi ainda mais significativo. O estudo revelou que, nessa região, a proporção da renda domiciliar proveniente de auxílios governamentais saltou de 6,8% para 9,7% no mesmo período. Mais impressionante ainda é o fato de que, em 2023, cerca de 79% da renda dos extremamente pobres no Nordeste era oriunda de programas de assistência social.
Beneficiários do bolsa família têm desinteresse na busca por emprego
Paralelamente ao aumento dos benefícios sociais, os dados sugerem uma aparente perda de interesse da população na procura por emprego. Esse fenômeno ocorreu em um momento em que a taxa de desemprego no Brasil caiu de 14,9% para 6,8%, indicando um aquecimento do mercado de trabalho e a criação de novas vagas.
No entanto, de acordo com Flávio Ataliba, coordenador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste da FGV IBRE e autor do estudo, esse cenário revela que as famílias enfrentam dificuldades para sair da situação de extrema pobreza e buscar empregos formais com carteira assinada como principal fonte de renda.
Desafios do Bolsa Família
O efeito limitado do mercado de trabalho
Apesar do mercado de trabalho estar em expansão, com a criação de novas vagas e a queda do desemprego, Ataliba aponta que esse efeito não é suficientemente forte para resgatar a população em extrema pobreza dessa condição. Embora o aumento dos auxílios tenha um impacto direto na redução da pobreza, ele não aborda as causas primárias do problema, conforme ressalta o coordenador.
“A gente precisa superar essa resiliência e retirar essas pessoas da condição de extrema pobreza”, pontua.
Perspectiva de longo prazo com o Bolsa Família e demais programas sociais
Carla Beni, economista e professora de MBAs da Fundação Getúlio Vargas, salienta a necessidade de um período mais longo para determinar a influência do programa Bolsa Família na procura por emprego.
Segundo ela, “é preciso ao menos de 10 anos para colher dados estatísticos; não consigo analisar um ano de melhora do mercado de trabalho e imaginar que eu vou ter uma quantidade menor de pessoas [dependente de programas]”.
Baixa remuneração e falta de oportunidades aos beneficiários do Bolsa Família
Um aspecto importante nesse cenário é a remuneração insuficiente no mercado de trabalho, aliada à falta de oportunidades para indivíduos com menor nível educacional. Carla Beni explica:
“Onde está o problema moral: você não vai mais encontrar uma faxineira que continue limpando toda a sua casa por um salário mínimo. Não falta mão de obra, o que há é uma falta de entendimento de que o padrão salarial subiu.”
Enquanto uma parte desse grupo pode ter ficado “desencorajada” a procurar emprego devido às condições salariais, outra parcela enfrenta limitações por falta de formação, o que restringe suas opções de trabalho.
Flávio Ataliba ressalta que a condição de miséria é um problema multidimensional, sem uma causa única. “São vários problemas que muitas vezes estão presentes em uma família”, complementa o coordenador, reforçando a complexidade do cenário e a necessidade de abordagens abrangentes para enfrentar esse desafio.